sexta-feira, 26 de novembro de 2021

O doutor Botelho (Fábula), de Monteiro Lobato

 

O DOUTOR BOTELHO
 

Havia um carpinteiro muito pobre, que morava num casebre de tábua. Certa vez apareceu por lá um macaco pedindo agasalho. O carpinteiro respondeu que sua casinha era muito pequena, mas estava às ordens. O macaco ficou morando com o homem. 

Um dia o macaco entrou em casa com os bolsos cheios de moedas de ouro e prata. 

— Onde arranjou isso, macaco? — perguntou o homem, de olhos arregalados. 

— Foi o rei que me deu — disse o macaco. — Fui visitá-lo em seu nome, com um presente, e o rei me deu tudo isto. 

— E que presente levou ao rei, macaco? 

— Veadinhos. Assobiei na floresta; vieram cem veadinhos que levei ao rei. Qualquer dia vou levar-lhe outro presente. 

E assim foi. Na manhã seguinte o macaco chegou à beira do rio e pôs-se a assobiar. Vieram inúmeras garças, que ele convidou a irem com ele ao palácio do rei, numa procissão, duas a duas. O rei achou lindo aquilo e perguntou quem tinha tido a ideia. 

— Foi o doutor Botelho, amigo do macaco da bota do jabotelho — respondeu o bichinho. 

O rei agradeceu a lembrança e disse-lhe que fosse à Casa da Moeda receber dinheiro. 

O macaco foi e encheu um alforje de moedas de ouro que levou ao homem. 

Dias depois o macaco voltou à floresta e assobiou. Vieram inúmeros coelhos, que o macaco levou de presente ao rei, dizendo ser outro presente do doutor Botelho. 

O rei, muito admirado, mostrou desejo de conhecer esse doutor tão rico. O macaco respondeu que o doutor Botelho era um homem muito acanhado que não visitava ninguém; mas que se o rei quisesse conhecer as suas riquezas, ele, macaco, as mostraria. 

O rei montou a cavalo e saiu com o macaco na garupa. Passaram por muitas fazendas, e o macaco dizia sempre: "Isto aqui é do doutor Botelho." Afinal, cansado de ver as fazendas do doutor Botelho, o rei voltou ao palácio. 

O macaco, então, disse ao rei que estava com vontade de falar uma coisa, mas sentia acanhamento. 

— Fale — ordenou o rei — e o macaco disse que o doutor Botelho havia mandado pedir em casamento a filha de Sua Majestade. 

Tratando-se dum homem tão rico, dono de tantas e tão lindas fazendas, o rei não teve dúvida em dar-lhe a filha em casamento. 

— Diga ao doutor Botelho que sim, que lhe concedo a mão de minha filha — e você, macaco, vá à Casa da Moeda buscar mais ouro. 

O macaco foi e encheu vários alforjes. Quando chegou à casa do carpinteiro com tudo aquilo, o pobre homem abriu a boca. E mais ainda quando soube que estava noivo da princesa, filha única dum grande rei. 

— Mas, macaco, como posso eu, um pobre diabo, que vive neste casebre de tábuas, pensar em casar-me com a filha do rei? Você está louco? 

O macaco, porém, sossegou-o. 

— Não se incomode com coisa nenhuma; deixe tudo por minha conta. 

No dia marcado para o casamento o macaco preparou para o doutor Botelho um lindo cavalo e o fez montar. O carpinteiro mal podia consigo. 

— Estou que quase caio do cavalo, de tanto medo, macaco. 

— Não seja bobo. Já disse que deixe tudo por minha conta. 

E tanto o macaco fez que deu com o carpinteiro no palácio real, onde se efetuou o casamento. Tinham agora os noivos de seguir para a casa do doutor Botelho — e como era? O pobre carpinteiro suava frio. Mas o macaco o animou: "Não tenha medo de nada. Eu arranjo tudo." 

E arranjou mesmo. Quando os noivos, acompanhados dos grandes fidalgos da corte, chegaram ao casebre, não viram lá casebre nenhum e sim um maravilhoso palácio, com grande criadagem de libré. Entraram. Estava arrumada a mesa dum banquete esplêndido, com quanto doce havia e um grande cacho de bananas no centro. 

Ao ver as bananas o macaco esqueceu-se do seu papel e deu um pulo sobre a mesa. Aquilo de ser o escudeiro do célebre doutor Botelho era uma grande coisa — mas comer as bananas amarelinhas era melhor — e pôs-se a comer as bananas.

 

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Ano de publicação: 1922.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

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