quinta-feira, 25 de novembro de 2021

O camponês ingênuo (Fábula), de Monteiro Lobato

 

O CAMPONÊS INGÊNUO
 

Era um camponês muito ingênuo, que um dia partiu para a cidade de Bagdá a fim de vender uma cabra; foi montado num jumento, a puxar a cabra, que ia, tlin, tlin, tlin, com um cincerro ao pescoço. Três ladrões resolveram roubá-lo. 

— Eu me encarrego de furtar a cabra — disse um deles. 

— E eu, de furtar o jumento — disse o segundo. 

— E eu, de furtar-lhe as roupas — disse o terceiro. 

Assim combinados; os três malandros seguiram o pobre camponês. O primeiro deu jeito de passar a campainha do pescoço da cabra para o rabo do burro sem que o pobre homem percebesse. Sempre a ouvir o toque da campainha, só muito lá adiante é que olhou para trás e não viu cabra nenhuma. 

Desesperado com aquilo, porque aquele animalzinho representava muito para ele, pulou do jumento abaixo e pediu a um homem que viu por ali que o segurasse enquanto ele ia em procura da cabra. Com a maior boa vontade o homem prontificou-se a segurar o jumento — e, assim que o camponês se afastou, fugiu. Esse homem era o segundo ladrão. 

Quando o camponês voltou e não encontrou nem sinal do jumento, abriu a boca, desesperado. Nisto deu com outro homem que olhava para dentro dum poço, com grande aflição. 

— Que houve? — perguntou o camponês. — Perdeu também algum jumento? 

— Perdi muito mais — disse o homem com voz de desespero. — Imagine que fui encarregado de entregar um escrínio de ouro ao califa, e sentando-me à beira deste poço, para descansar, não sei que jeito dei que o escrínio caiu lá dentro. 

— Por que não desce para pegá-lo? 

— Já pensei nisso, mas tenho medo de resfriar-me. Sou muito sujeito a resfriados. Estou esperando que apareça alguém que queira prestar-me este serviço. 

— Quanto paga? — perguntou o camponês. 

— Oh, pago dez moedas de ouro, porque se trata dum escrínio riquíssimo. 

O camponês não disse mais nada. Sacou fora a roupa e desceu ao poço. E o tal portador do escrínio, que não era portador de escrínio nenhum e sim o terceiro ladrão, fugiu com a roupa dele...

 

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Ano de publicação: 1937.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

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