quinta-feira, 25 de novembro de 2021

A cigarra e as formigas (Fábula), de Monteiro Lobato

 

A CIGARRA E AS FORMIGAS
 

Houve uma jovem cigarra que tinha o costume de chiar ao pé dum formigueiro. Só parava quando cansadinha; e seu divertimento então era observar as formigas na eterna faina de abastecer as tulhas. 

Mas o bom tempo afinal passou e vieram as chuvas. Os animais todos, arrepiados, passavam o dia cochilando nas tocas. 

A pobre cigarra, sem abrigo em seu galhinho seco e metida em grandes apuros, deliberou socorrer-se de alguém. 

Manquitolando, com uma asa a arrastar, lá se dirigiu para o formigueiro. Bateu – tique, tique, tique… 

Aparece uma formiga, friorenta, embrulhada num xalinho de paina. 

– Que quer? – perguntou, examinando a triste mendiga suja de lama e a tossir. 

– Venho em busca de um agasalho. O mau tempo não cessa e eu… 

A formiga olhou-a de alto a baixo. 

– E o que fez durante o bom tempo, que não construiu sua casa? 

A pobre cigarra, toda tremendo, respondeu depois de um acesso de tosse: 

– Eu cantava, bem sabe… 

– Ah! … exclamou a formiga recordando-se. Era você então quem cantava nessa árvore enquanto nós labutávamos para encher as tulhas? 

– Isso mesmo, era eu… 

– Pois entre, amiguinha! Nunca poderemos esquecer as boas horas que sua cantoria nos proporcionou. Aquele chiado nos distraía e aliviava o trabalho. Dizíamos sempre: que felicidade ter como vizinha tão gentil cantora! Entre, amiga, que aqui terá cama e mesa durante todo o mau tempo. 

A cigarra entrou, sarou da tosse e voltou a ser a alegre cantora dos dias de sol. 


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Ano de publicação: 1922.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

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